Rusticidade e modernidade se encontram nesse espaço criado exclusivamente para a cultura na cidade de Paranaguá.
A proprietária do empreendimento foi procurada pela nossa equipe e gentilmente falou sobre o projeto
O que vem a ser o Centro Cultural Mattar Leister?
O Centro Cultural Mattar Leister é um espaço de promoção e preservação da cultura, memória e identidade do litoral paranaense, com um olhar amplo que abrange tanto as manifestações locais quanto a valorização da cultura nacional. Idealizado e criado pelos irmãos e sócios Renan e Carolina Mattar Leister, encontra-se localizado no coração da cidade, na Rua Conselheiro Sinimbú, 97, no centro histórico de Paranaguá.
Mais do que um espaço físico, é um ponto de encontro entre gerações, onde histórias são contadas, tradições são mantidas vivas e novos saberes são compartilhados. É uma casa da cultura brasileira em toda a sua pluralidade, com atividades que vão desde exposições, debates até aulas de música e instrumentos musicais como piano, violão, guitarra, contrabaixo, bateria, canto entre outras modalidades, ministradas por professores dedicados que espalham arte e inspiração por toda a região.
Qual o objetivo de um centro cultural?
O objetivo de um centro cultural é ser um espaço de convivência e troca, onde a comunidade possa acessar, produzir e valorizar manifestações culturais e artísticas. Ele busca estimular a reflexão crítica, preservar o patrimônio cultural, incentivar o desenvolvimento de habilidades artísticas e promover a inclusão social por meio da arte. Além disso, tem o papel de fortalecer a identidade coletiva e despertar o pertencimento, sendo um ambiente de aprendizado e transformação pessoal e social.
Mesmo com pouco tempo de atividade, qual a avaliação que você faz até aqui?
Apesar do pouco tempo de existência, o impacto do Centro Cultural Mattar Leister já é significativo. A resposta do público tem sido muito positiva, refletida pelo crescente interesse nas atividades oferecidas e pelo engajamento nas ações culturais. Temos visto histórias de transformação, com pessoas que voltam ao espaço não apenas como visitantes, mas como participantes ativos das experiências culturais.
Esse retorno nos mostra que o centro está cumprindo seu papel ao aproximar a comunidade de suas raízes e fomentar novos olhares sobre a cultura. É um processo em constante construção, mas com resultados promissores e emocionantes.
A cultura em Paranaguá. Como você avalia esse cenário?
Paranaguá tem uma riqueza cultural imensa, mas ainda enfrenta desafios relacionados à visibilidade e ao incentivo à produção artística. Apesar de sua relevância histórica e cultural, infelizmente hoje assistimos ao nosso patrimônio histórico ruindo. Os casarões que fazem parte da memória coletiva da cidade estão abandonados. O Palácio Visconde de Nácar, o Solar dos Guimarães e tantos outros localizados no centro histórico estão em estado de ruína, refletindo a falta de políticas públicas eficientes de preservação.
Ainda assim, nossa cultura resiste graças a guardiões dedicados, como os mestres do fandango. Figuras como o mestre Aurélio e tantos outros lutam diariamente para manter viva essa tradição, que é patrimônio imaterial e símbolo da identidade caiçara. Esse esforço é um verdadeiro ato de resistência cultural em meio ao descaso.
Vale lembrar que Paranaguá já foi considerada um polo cultural não apenas do Paraná, mas do país. A cidade foi berço de grandes movimentos artísticos e intelectuais e produziu personalidades marcantes para a cultura nacional. Entre esses nomes estão o compositor Brasílio Itiberê, considerado por muitos pesquisadores o "pai da música brasileira"; Júlia da Costa, a primeira poetisa paranaense; Fernando Amaro, o primeiro poeta do Paraná; e, mais recentemente, o renomado músico Waltel Branco, reverenciado mundialmente por sua genialidade. No campo das artes plásticas, temos Emir Roth, um artista de reconhecimento internacional que levou o nome de Paranaguá para além das fronteiras.
Infelizmente, muitos parnanguaras desconhecem essa riqueza histórica e artística, mas há esforços crescentes para mudar esse cenário. O Centro Cultural Mattar Leister faz parte desse movimento ao oferecer um espaço de pertencimento e fortalecimento das histórias e expressões artísticas locais. Mesmo em meio às adversidades, é inspirador ver pessoas e iniciativas comprometidas em manter viva essa herança cultural e explorar novas formas de expressão.
Em seu contato diário com o público, houve alguma situação que te marcou?
Sim, muitas situações emocionantes acontecem diariamente, mas algumas nos tocam de forma especial. O Centro Cultural Mattar Leister apresenta todas as terças-feiras o evento *Janela do Choro*, um encontro que celebra a brasilidade através da música. Na primeira apresentação, em fevereiro de 2024, logo após a inauguração do centro, tivemos no público o pequeno Micael Sebastian, que na época contava com poucos meses de idade. Desde então, seus avós o traziam fielmente a todas as apresentações. Em um momento emocionante, logo após completar 1 aninho, Micael se tornou nosso aluno de musicalização infantil.
Outra situação marcante foi a presença da memorável e extraordinária Professora Lucy Tavares, uma referência na cultura local. Em uma das terças do *Janela do Choro*, ela nos honrou com sua presença. Seus elogios e palavras de incentivo ao movimento que estamos construindo foram emocionantes e nos deram ainda mais certeza de que estamos no caminho certo.
Por que frequentar o Centro Cultural Mattar Leister e por que voltar?
Frequentar o Centro Cultural Mattar Leister é uma oportunidade de enriquecer sua visão de mundo, de se conectar com a história e de viver experiências artísticas únicas que trazem reflexões e emoções profundas. O centro oferece um ambiente acolhedor, onde todos são convidados a participar e contribuir, seja por meio de atividades educativas, exposições ou eventos musicais.
E por que voltar? Porque cada visita traz algo novo: uma descoberta, uma conversa, uma música, uma sensação de pertencimento. É um espaço onde a cultura se renova a cada dia, e cada pessoa que passa por ali contribui para essa renovação. Frequentar o centro cultural é alimentar a alma e fortalecer os laços com nossa identidade coletiva.
O que é a “Janela do Choro”?
A Janela do Choro é uma apresentação realizada na calçada do Centro Cultural Mattar Leister, reunindo músicos locais que interpretam Chorinho e outros gêneros tradicionais da música brasileira. O evento, de caráter gratuito, tem como propósito incentivar a preservação e a difusão da música nacional, promovendo a valorização da cultura e das expressões artísticas regionais, além de proporcionar visibilidade a músicos e compositores locais. Ademais, busca estimular o interesse das novas gerações pelo Choro, gênero reconhecido em fevereiro de 2024 como Patrimônio Histórico e Cultural do Brasil, garantindo, assim, sua continuidade e relevância no cenário musical brasileiro. Nos próximos dias, divulgaremos o calendário com as datas das apresentações para o ano de 2025.
Por fim, quais são os próximos passos e projetos futuros do Centro Cultural Mattar Leister?
O Centro Cultural Mattar Leister busca se consolidar como um espaço de referência cultural, e, para isso, planejamos uma série de novos projetos e parcerias. Entre os próximos passos, está a criação de oficinas artísticas e musicais, a realização de eventos culturais temáticos que destaquem as tradições e histórias locais, a continuidade da *Janela do Choro* com participação de outros músicos, além da criação de projetos de intercâmbio cultural com outros estados.
Esse compromisso com o resgate e a valorização cultural também encontra eco em passagens históricas importantes. Na metade do século XIX, segundo Antônio Vieira dos Santos, um dos maiores historiadores do litoral do Paraná, em sua obra *"Memória Histórica, Chronológia, Tophográfia e Descriptiva da Cidade de Paranaguá e seu Município"*, destacou que a sociedade parnanguara era admirável em termos culturais e intelectuais. Ele relata que os jovens da cidade eram fluentes em várias línguas e habilidosos na música, tocando flauta, violão e rabeca com perfeição. Além disso, as mulheres se destacavam por sua inteligência e presença em atos públicos, sendo muito à frente de seu tempo.
Não era diferente na visão de Julius Platzmann, um linguista, artista e botânico alemão que morou em Paranaguá entre 1858 e 1864. Em seu livro *"Da Baia de Paranaguá"*, Platzmann descreveu que a Festa de Nossa Senhora do Rocio era um evento cultural grandioso. Segundo ele, o bairro do Rocio era um local deslumbrante, de onde se avistava o mar, enormes palmeiras e o azul deslumbrante do céu. O local era cercado por flores e laranjeiras, que perfumavam todo o ambiente. Entretanto, o que mais lhe causava admiração era o fato de que a festa, com todas as suas atrações, não fazia distinção de classe social. Todos tinham acesso igualmente, independentemente de etnia, classe social ou gênero. Era um exemplo de como a arte e a cultura eram oferecidas de forma democrática e igualitária, reunindo toda a comunidade em um único espírito de celebração e pertencimento.
Com isso, esperamos continuar crescendo e inspirando mais pessoas a se aproximarem da arte e da cultura, fortalecendo o vínculo com suas raízes e colaborando para o resgate e reconstrução de modo a termos um futuro culturalmente mais consciente e enriquecedor, para nossa Paranaguá e suas futuras gerações.
por Seme Said
fotos do arquivo pessoal