Advogados e magistrados veem contradições ou receiam por possível insegurança jurídica diante das mudanças

Prevista para entrar em vigor em quatro meses, reforma tem como uma das novidades a prevalência do acordado sobre o legislado

Prevista para entrar em vigor em quatro meses, reforma tem como uma das novidades a prevalência do acordado sobre o legislado Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas

Um dos principais objetivos da reforma trabalhista - que foi publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (14) e passa a vigorar em quatro meses - era garantir mais segurança jurídica para as empresas. Mas, os advogados acham que isso não vai acontecer no curto prazo. Há até quem diga que será necessária uma "reforma da reforma". 

O presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), Roberto Parahyba, afirma que a reforma "mais confunde que esclarece". Entre os mais de 200 dispositivos da nova lei, segundo ele, há contradições que podem resultar em mais processos nos tribunais. "O artigo que trata da contratação de autônomos por empresas tenta descaracterizar vínculo trabalhista, mas vai contra o artigo 3º da CLT, que continua valendo, e que reconhece o vínculo se for caracterizada subordinação", exemplifica. 

Parahyba considera que a reforma foi feita de "afogadilho", sem debate com a sociedade. "A CLT ficou mais complexa, com várias incongruências. O Senado deveria ter feito ajustes, mas o governo tinha pressa e, se o texto fosse mudado, teria de voltar para a Câmara. Vai ter de ser feita uma reforma da reforma", ressalta. 

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O presidente da Anamatra Paraná (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) e diretor de assuntos legislativos da entidade nacional, Paulo da Cunha Boal, juiz da Vara do Trabalho de Rolândia, também chama a atenção para a velocidade da tramitação no Congresso Nacional. 

Ele acredita que as mudanças são necessárias, mas diz que deveria haver um diálogo mais longo com as entidades. Segundo Boal, a magistratura está dividida em relação à reforma, alguns juízes veem avanços, principalmente no direito processual e no que diz respeito aos honorários advocatícios. 

No entanto, o tabelamento do dano moral com teto máximo de 50 vezes o salário do trabalhador é visto pelo magistrado como discriminatório. "Com uma indenização pelo salário você está diferenciando um trabalhador humilde de um dirigente, por exemplo. O salário médio na indústria do Paraná é de R$ 1.200. Isso significa que a vida do trabalhador (em caso de uma reclamatória por morte) vale no máximo R$ 62 mil", exemplifica. 

Em sua avaliação, essa diferenciação por categoria social que a legislação cria fere o princípio de isonomia. Atualmente, os magistrados levam em consideração a capacidade financeira do ofensor e não do ofendido para definir o valor da indenização. "Por exemplo, um banco tende a ter uma condenação mais elevada do que uma pequena empresa porque tem mais capacidade de pagar. O projeto não faz essa diferença entre os operados e sim sobre os agredidos", explica o juiz. 

Acordado e legislado 

O presidente da Anamatra Paraná também não concorda com algumas questões do acordado sobre o legislado, principalmente em relação ao trabalho intermitente. "Isso atrapalha a vida da pessoa, que fica dependente do empregador. Está se dando ao empregador a possibilidade de manipular a vida do trabalhador", argumenta. 

Ele recorda que essa modalidade foi pensada inicialmente para o setor de turismo, em função da sazonalidade do setor, mas que o projeto vem ampliar para todas as atividades. "Às vezes, uma boa ideia para alguns setores vira uma péssima ideia para a coletividade", afirma. 

Paradigmas 

Luis César Esmanhotto, que advoga para sindicatos patronais em Curitiba, acredita que a reforma traz incertezas num primeiro momento porque representa uma mudança muito grande nas relações capital x trabalho e não dá para saber como o Judiciário irá se portar em relação a ela. "A reforma quebra paradigmas em vigor há 70 anos. É natural que existam incertezas nos primeiros anos", opina. 

Para Esmanhotto, que também é professor universitário, quem não pertence ao meio jurídico não tem compreensão do tamanho das mudanças. Ele conta que muitas das demandas judiciais são resolvidas hoje não à luz da legislação, mas tendo como base jurisprudências criadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). "A proibição que havia de terceirização da atividade fim das empresas nunca esteve expressa em uma lei, mas em súmula do tribunal", exemplifica. A reforma, segundo o advogado, vai contra muitas dessas jurisprudências. "Isso gera uma mudança profunda. Para não decidir contra a nova lei, os tribunais precisarão mudar entendimentos enraizados há muito tempo." 

Esmanhotto diz que a flexibilização das regras é tão grande que ele chega a se questionar se o País está preparado para as mudanças. "Os patrões precisam agir com muita responsabilidade para não banalizar demais as relações capital x trabalho. Os tribunais estarão atentos para a aplicação da nova regulamentação de maneira sensata." 

Ele dá um exemplo: "Temos uma nova disposição dizendo que gratificação por desempenho não tem natureza salarial, portanto, sobre ela não incide encargos trabalhistas. O empresário pode ficar tentado a pagar o mínimo de salário e todo mês complementar a remuneração com abono por desempenho alcançado". Mas isso, de acordo com o advogado, não será reconhecido em caso de demanda judicial. "Se o patrão paga R$ 1.500 de salário e R$ 6 mil de abono todo mês, o juiz vai perceber que ele está pagando salário disfarçado de abono." 

Ações trabalhistas 

Para o presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas do Rio Grande do Sul (Satergs), Eduardo Caringi Raupp, a reforma tende a reduzir em muito o número de processos trabalhistas devido ao dispositivo que obriga a parte vencida pagar os honorários do advogado da vencedora. "Até hoje, o trabalhador nunca precisou pagar nada nas ações. Agora, se perder, terá de pagar. Isso vai servir de desincentivo. Ele só entrará se estiver certo dos seus direitos", alega. 

Segundo Raupp, deve haver mais insegurança jurídica quando a reforma passar a vigorar, mas não porque ela foi mal feita. Mas, por causa do "ativismo" dos juízes do trabalho. "A ampla maioria é contrária. Então, vão fazer de tudo para não aplicar a lei. Neste sentido, pode ser que o tiro saia pela culatra", analisa. 

No entanto, com o passar do tempo, principalmente depois das primeiras ações chegarem ao TST, esse cenário tende a mudar. "A lei está muito bem amarrada, mas vai levar um tempo para os juízes se renderem a ela", avalia.

Este conteúdo foi originalmente publicado no portal Folha de Londrina

Nelson Bortolin e Aline Machado Parodi/ especial Folha de Londrina

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