Partidos políticos e produtores europeus pedem o fechamento das fronteiras do bloco à carne brasileira, elevando a pressão para que a Comissão Europeia adote uma medida temporária contra o produto nacional depois da revelação da fraude no setor de carnes. O apelo vem de setores e países com uma tradição protecionista e que, por anos, vem solicitando que Bruxelas derrube um acordo com o Brasil no setor de carnes.
O presidente Michel Temer realizou várias reuniões no domingo, 19, para discutir a crise aberta pela Operação Carne Fraca. Além do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, ele recebeu representantes do setor de produção de proteína animal e embaixadores de países consumidores da carne brasileira.
O jornal "O Estado de S Paulo" apurou que parlamentares e produtores de países como Áustria, França, Polônia e Irlanda passaram o fim de semana em contato para tentar estudar a forma de incrementar o lobby e pressionar as autoridades europeias a rever seus planos de autorização de importação da carne nacional. A reportagem foi informada por Bruxelas, porém, que não existiu qualquer caso de fraude registrada no comércio com o Brasil desde 2015.
Ainda assim, na Irlanda, o partido Sinn Féin foi um dos que apelaram publicamente neste domingo, 19, para o fim das importações de carnes brasileiras. O representante do partido para temas agrícolas, o deputado Martin Kenny, alertou que o caso brasileiro revela "as condições contra as quais os fazendeiros europeus precisam competir".
"O Brasil é um dos grandes concorrentes da Irlanda pelo mercado europeu de carnes. Mas agora vemos a dimensão do escândalo", disse, apontando para "aditivos perigosos sendo colocados em carne de frango e carne contaminada com salmonela exportadas para a Europa".
De acordo com o partido de oposição, o ministro da Agricultura da Irlanda, Michael Creed, precisa "imediatamente buscar uma suspensão da importação de carne do Brasil para a Europa". "A situação é intolerável. O governo precisa agir", disse.
Entre os produtores, o caso também está sendo usado para justificar novas barreiras. "Vemos outro escândalo acontecendo fora das cercas da fazenda, não dentro, e mostra que precisamos ter um controle maior", disse Edmund Phelan, presidente da ICSA, a entidade que reúne os criadores de gado da Irlanda, um dos maiores fornecedores para o mercado europeu.
Na Bélgica, a Agência Federal para a Segurança da Cadeia Alimentar se apressou a tentar dar garantias aos consumidores locais de que os controles impostos pelos europeus e o volume de importação limitariam qualquer risco. "A exportação para a Europa se limita a poucas empresas e deve seguir padrões estritos", disse Philippe Houdart, porta-voz da Agência.
Segundo ele, o controle feito pelos brasileiros "são submetidos a auditorias" por parte dos europeus. Uma vez no território europeu, o carregamento passa por um novo controle. Mas ele admite que, "se problemas emergirem, seria provavelmente na carne de frango congelada, destinada a um tratamento posterior".
O uso da fraude como argumento para fechar as fronteiras não ocorre por acaso. Estudos da própria UE estimam que as exportações do Mercosul para a Europa poderiam aumentar em 14 bilhões de euros em dez anos, graças a um acordo comercial entre as duas regiões.
A estimativa aponta que, até 2025, os europeus ampliariam em 29 bilhões de euros suas compras de produtos agrícolas de países envolvidos em acordos comerciais com Bruxelas. Metade viria do Mercosul. No total, isso representaria um salto em 24% nas exportações do Cone Sul para o mercado europeu.
Um dos principais ganhos viria do setor de carnes. No segmento de produtos bovinos, o estudo da UE estima que "mais de 80% do aumento de importações viria do Mercosul". "A balança de comércio se deteriorará profundamente", admitiu a Comissão Europeia. O aumento em vendas para o bloco do Cone Sul seria de pelo menos 1,4 bilhão de euros. Outros 900 milhões de euros ainda seriam gerados no aumento de espaço para a carne suína e frangos do Mercosul no mercado europeu.
Governo diz que não há risco sanitário
Brasília - O secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luiz Eduardo Rangel, disse que não existe risco sanitário na carne brasileira e que as questões apontadas pela operação Carne Fraca não trazem risco para a população nem para as exportações. "Não existe risco sanitário e num primeiro momento a ideia é que possamos reagir rapidamente para tranquilizar a sociedade", afirmou, ao chegar ao Palácio do Planalto no domingo, 19, para reunião com o presidente Michel Temer e representantes do setor.
Rangel disse que o ministério está preparado para reagir rapidamente e informou que serão anunciadas medidas administrativas a serem adotadas ainda nesta semana pela Pasta. Ele disse que nenhum país suspendeu a importação da carne brasileira. "Os países estão esperando uma comunicação oficial do governo brasileiro. É o que vamos fazer com o presidente", afirmou.
O secretário disse ainda que o ministério vai fazer avaliações e que tem sistemas de rastreabilidade e poderá retirar mercadorias de circulação, caso seja necessário.
O presidente Michel Temer afirmou que vai acelerar o processo de auditoria nos 21 frigoríficos citados na denúncia a partir desta semana, disse ter confiança na qualidade da produção nacional e que as plantas exportadoras estão abertas para inspeção de países importadores e ao acompanhamento das atividades de controle. "O governo federal quer reiterar a confiança na qualidade da produção nacional", declarou ele. "O Ministério da Agricultura tem rigoroso serviço de inspeção. Esse padrão de excelência abriu as portas para mais de 150 países."
Temer citou ainda números da produção para tentar assegurar a qualidade dos produtos. "Ao longo dos últimos anos não foram identificadas objeções. Em 2016 foram expedidas 853 mil partidas de produtos de origem animais e apenas 184 foram consideradas fora da conformidade", citou o presidente, antes da reunião. De acordo com ele, em boa parte dos casos, as irregularidades estavam ligadas a problemas de rotulagem.
Temer observou ainda que, das 4.837 unidades sujeitas à inspeção federal, apenas 21 estão supostamente envolvidas em irregularidades. "E dessas 21, seis exportaram nos últimos 60 dias", disse o presidente.
De acordo com Temer, o Ministério da Agricultura deverá informar a empresa exportadora do lote e o destino. Segundo ele, o objeto da operação não é o sistema de defesa agropecuária brasileira, cujo rigor é conhecido, mas o desvio de condutas. Todas as plantas exportadoras permanecem abertas para inspeções dos países importadores e ao acompanhamento das atividades de controle.
CNA pede punição a envolvidos
Em reunião com o presidente Michel Temer, representantes do setor pecuário pediram que a população seja esclarecida sobre o que consideram pequeno alcance das irregularidades descobertas pela Operação Carne Fraca no setor.
O presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), João Martins, defendeu a punição de frigoríficos e fiscais envolvidos nas irregularidades apontadas pela Polícia Federal na Operação Carne Fraca. "Temos mais de 4 mil unidades de abate no Brasil e isso aconteceu em 3 unidades. Temos um dos melhores sistemas de fiscalização do mundo", afirmou. "A população precisa ter certeza que está consumindo carne com a inspeção perfeita e de melhor qualidade possível", disse.
Para o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, o governo está mais preocupado com o mercado externo e não está dando explicações ao consumidor brasileiro. Ele também ressaltou que foram apenas três frigoríficos fechados e que a grande maioria não tem problema. "As pessoas não querem mais comprar carne. Falta explicação para todos", afirmou.
De acordo com Martins, o presidente Temer listou as medidas que já foram tomadas, como a punição de 32 fiscais e fechamento de três unidades. Ele demonstrou preocupação com o impacto que a crise aberta pela operação terá no preço do boi e disse que os frigoríficos poderão usar de "má fé" para dizer que houve queda no preço por fechamento de mercados internacionais, o que, segundo ele, ainda não ocorreu. "Só vamos saber a especulação com o preço do boi quando o mercado abrir", completou. Ele acrescentou que ainda não é possível estimar os prejuízos que a operação trará para o setor.
Mais cedo, antes da reunião, Martins chegou a dizer que houve exagero e pirotecnia na Operação da Polícia Federal. Após o encontro, porém, ele ponderou que, quando se fala em segurança alimentar, todo exagero é pouco. "Não cabe a mim achar que a Polícia Federal exagerou ou não. Quando se fala de segurança alimentar, eles têm que ser extremamente rigorosos", completou. Também participaram da reunião o ministro interino da Justiça e Cidadania, Davi Levi, e o diretor da Polícia Federal, Leandro Daiello.
Jamil Chade / Agência Estado