Passados pouco mais de seis meses da tragédia com um caminhão tanque, que explodiu e matou seis pessoas na BR-277, na Serra do Mar, em 3 de julho do ano passado, pouca coisa mudou para as famílias das vítimas. As indenizações, que já deveriam ter sido providenciadas pela seguradora da transportadora dona do caminhão, não foram pagas e os dois inquéritos que investigam o assunto sequer foram finalizados. Para as famílias, a ferida e a sensação de impunidade, dos responsáveis pelo que eles consideram um crime, só aumenta.
“O resumo é que a empresa causou o acidente por pura irresponsabilidade e quem está pagando a pena são as famílias”, desabafou Robson Novakoski, que perdeu a irmã, Ana Carolina Novakoski, 43 anos. “Quem causou tudo isso celebrou Natal, comemorou Ano Novo e está bem, mas a gente… nós continuamos com a dor, não só da perda, mas da injustiça”, lamentou.
Deusedino Cunha também perdeu familiares no acidente, o filho, Anderson Luiz Cunha, 43 anos, e o neto, Gabriel Baptista Cunha, 13 anos. Ele também está desacreditado que a justiça seja feita. “E acredito que vai ser assim se você falar com as outras famílias. Estamos todos na mesma. Quem perdeu fomos nós, em todos os sentidos”, desabafou. “Eu não tive Natal. Porque são só lembranças tristes. Sentimos muita falta. O que eu queria era os dois de volta, mas isso não vou conseguir. Só me resta acreditar na Justiça”, lamentou Deusedino.
Sepultamento
Segundo Deusedino, o custo com os túmulos foi a única despesa paga pela transportadora. “No mais, entramos na Justiça (pedindo reparação de danos). Só que aos poucos a gente percebe que, nesse país, é tudo um absurdo. O responsável pela tragédia tem tudo, está em liberdade, pode ainda sair impune, já a gente, nada”.
Robson, que perdeu a irmã, também recebeu a ajuda com o lote no cemitério. “Mas não teriam ajudado se a gente não insistisse. Mas agora, o que nós queremos é celeridade nesse processo de julgamento”, diz Robson, que também está pedindo reparação de danos na Justiça e critica a assistente social que foi colocada à disposição das famílias das vítimas. “Essa pessoa eventualmente liga para perguntar se está tudo bem. O que isso adianta?”.
“Não queremos dinheiro. Porque por mais que um dia venha algum valor, e nós sabemos que virá, isso não vai nos saciar. Nós queremos Justiça. Só assim teríamos algum tipo de conforto”, comentou Deusedino, que assim como Robson, torce para que a tragédia sirva de exemplo, para que outras não aconteçam.
‘Só’ falta a peça-chave
Motorista já havia informado problemas nos freios. Empresa mandou tocar viagem. Foto: Daniel Castellano.
O acidente originou a abertura de dois inquéritos junto à Polícia Civil de Morretes. Um é por homicídio, já que o acidente levou seis pessoas a morte. O outro é por dano ambiental, para avaliar o que a explosão e vazamento do combustível do caminhão tanque causou na região.
Para o delegado Antônio César Pereira dos Santos, responsável por todo o trabalho, o que falta para o encerramento de ambos os procedimentos é nada mais, nada menos, que a peça-chave para esclarecer tudo: o depoimento do encarregado da Concórdia Logística (ConLog), empresa dona do caminhão tanque. Já o motorista que conduzia o caminhão foi preso em flagrante, interrogado e liberado mediante pagamento de fiança de cerca de R$ 10 mil. Ele continua respondendo pelo crime, porém em liberdade.
O delegado explicou que este depoimento do encarregado só depende da colaboração da polícia de São Paulo para acontecer. Como a ConLog é sediada em Paulínea (interior de SP) e o encarregado mora lá, Antônio mandou uma carta precatória (instrumento usado pela polícia ou pela Justiça para ouvir depoimentos de pessoas em outras cidades ou Estados) à polícia do estado vizinho e aguarda o retorno da oitiva.
“Nós precisamos esclarecer o que o motorista havia dito (que informou a empresa do problema no caminhão). Aguardamos a precatória para saber se houve ou não o diálogo, pois, caso tenha acontecido, outra pessoa será responsabilizada criminalmente junto com o motorista.
Com exceção do depoimento do encarregado, todo o resto já foi feito. A polícia já ouviu inúmeras pessoas e solicitou vários outros cumprimentos de cartas precatórias. Segundo as investigações, o motorista agiu com dolo eventual, por isso, vai responder por homicídio doloso. No outro inquérito, a conclusão é mais clara. “Já foi concluído que houve o dano ambiental. A avaliação da perícia foi clara”, explicou o delegado.
Indenização e multa
Dois inquéritos relativos ao acidente ainda não foram finalizados. Foto: Daniel Castellano.
Além das investigações não terem sido concluídas, as indenizações às famílias das vítimas também não saíram. A Bradesco Seguros, seguradora da transportadora ConLog, informou no início da noite de ontem que está apurando a situação das vítimas e que só irá se pronunciar nos próximos dias.
Na época do acidente, a empresa afirmou, por meio de nota, que “em conformidade com o contrato estabelecido com a empresa segurada, os pedidos de indenizações encaminhados com base na referida apólice estão sendo devidamente providenciados”.
Não houve multa
A regulamentação de transporte terrestre para produtos perigosos não exige qualquer licença ou autorização específica por parte da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), mas prevê uma série de regras a serem cumpridas, como controle do transporte, descarga, transbordo, limpeza e descontaminação. Com base nestas regras, a ANTT informou que a Conlog não possui nenhuma infração registrada pela agência.
No entanto, a ConLog tem registros de autuações de outros tipos, como de pedágios e excesso de peso, porém, elas “não têm relação com regulamentação do transporte rodoviário de produtos perigosos”, diz nota da agência.
A ConLog não se manifestou sobre o assunto. Foram feitos contatos telefônicos com a empresa e com o advogado que a representa, mas em nenhuma das ligações houve retorno.
A gente não supera
A mesma frase foi usada tanto por Robson Novakoski, quanto por Deusedino Cunha. Toda vez que se fala sobre o acidente, as lembranças voltam como um turbilhão. “Quando vemos algo do tipo acontecer com a família de alguém, lamentamos, ficamos assustados, mas passa. Quando acontece em casa que a gente vê como as coisas funcionam. É uma situação horrível. A gente não supera”, comentou Robson Novakoski.