Ex-presidente será ouvido como réu no processo que investiga a propriedade de um triplex no Guarujá
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Duas vezes presidente da República, período em que acumulou índices recordes de aprovação popular, Luiz Inácio Lula da Silva irá se sentar nos banco dos réus nesta quarta-feira em Curitiba para responder a acusação de corrupção e lavagem de dinheiro da força-tarefa da Lava-Jato, na qual é descrito como "comandante máximo" de um esquema de corrupção que instalou uma "propinocracia" no país. Diante dele, numa acanhada sala da 13ª Vara Federal de Curitiba, estará o juiz Sergio Moro, aclamado por boa parte da população como herói nacional após condenar 90 pessoas envolvidas em desvios de recursos da Petrobras.

O primeiro encontro entre os principais personagens da operação é aguardado com expectativa país afora. Tido como implacável, Moro condenou a maioria dos acusados em três anos de investigações. Terá a sua frente um político que mobiliza multidões e diz não haver "viva alma mais honesta" do que ele no país. O depoimento de Lula faz parte do processo que trata especificamente da propriedade de um apartamento triplex no Guarujá, litoral paulista.

Cerca de 50 mil pessoas são esperadas para acompanhar o depoimento. A Secretaria de Segurança deve empregar até 800 homens no esquema de segurança, um aparato poucas vezes visto na cidade e superior ao empregado nos jogos da Copa do Mundo em 2014. Uma decisão da juíza Diele Denardin Zydek proibiu acampamentos em ruas e praças de Curitiba — nas redes sociais, ela se manifestou contra petistas no passado e nesta semana apagou seu perfil.

As reuniões preparatórias contaram com representantes das polícias civil, militar, federal, rodoviária federal e até mesmo do Exército. Agentes da Agência Brasileira de Inteligência também foram mobilizados. O prédio da Justiça Federal será isolado e guarnecido por 15 membros da própria corporação, além de policiais federais requisitados especialmente para a operação. Lá dentro, irão acompanhar a movimentação por meio de 97 câmeras de segurança.

Até o final da tarde de terça-feira, dezenas de ônibus já haviam chegado à cidade, a maioria transportando integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os veículos foram revistados pela Polícia Militar, que apreendeu facas, facões e foices, e depois direcionados para um terreno situado atrás da Rodoferroviária. No local, há 3 mil sem-terra acampados. Nesta quarta, eles pretendem marchar até o centro, onde um ato público irá afiançar apoio a Lula. 

— Vamos passar o dia promovendo a Jornada da Democracia. Será um evento para denunciar a parcialidade do juiz Moro e prestar solidariedade a Lula — diz uma das organizadoras do ato, a presidente da CUT-PR, Regina Cruz.

Os ativistas anti-PT estão concentrados no Museu Oscar Niemeyer, a cerca de 1,5 quilômetro da sede da Justiça Federal. Em menor número, esperam reunir 10 mil pessoas. Um boneco inflável gigante com a imagem de Lula vestido de presidiário será instalado no local. Em várias casas e edifícios, há bandeiras do Brasil e faixas verde e amarela nas janelas. Também há outdoors com a frase: "Lula, Curitiba de espera de grades abertas".

— Queremos mostrar que Curitiba não é vermelha, Curitiba é verde e amarela e não tolera mais tanta roubalheira — afirma a professora Narli Resende, do movimento Curitiba Contra a Corrupção.

Nos últimos dias, Lula se empenhou pessoalmente em arregimentar apoio. A seu pedido, praticamente toda a bancada de deputados e senadores do PT estará em Curitiba. A ex-presidente Dilma Rousseff chega por volta das 10h30min, em avião comercial. Lula é aguardado no mesmo horário e seguirá direto para um hotel com seus advogados. No final do dia, ele e Dilma devem participar de um ato político. Embora venha sendo preparado para o depoimento pelos defensores, Lula não quis estudar o processo e deve se esquivar de perguntas técnicas sobre contratos da Petrobras. 

Em viagens pelo país, Lula tem dito que está ansioso para responder a Moro, pois será a oportunidade de se defender. Na segunda-feira, contudo, seus advogados pediram a suspensão do processo. O recurso foi negado nesta terça-feira pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, que também barrou pedido para que a equipe do ex-presidente fizesse registro em áudio e vídeo da audiência, considerado "sem lógica" pelo juiz Nivaldo Brunoni.

Amigos e parlamentares que estiveram com o ex-presidente estão otimistas. Salientam a experiência política de Lula para driblar situações desconcertantes e perguntas incômodas. Não escondem, porém, o receio de que o petista se exalte e acabe responde de forma ríspida a Moro, o que poderia configurar desacato.

— Lula é um estadista, acostumado a lidar com as maiores autoridades do mundo. Numa audiência com um juiz de primeira instância, saberá como tratá-lo e respeitá-lo. Até porque quando a pessoa é inocente, não tem medo de depoimento — ameniza o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).

O processo do triplex

- Chamado pelo Ministério Público Federal (MPF) de "comandante máximo" da corrupção na Petrobras, Lula é processado por corrupção e lavagem de dinheiro. 

- É acusado de permitir desvios de R$ 87 milhões em contratos da OAS com a Petrobras para obras nas refinarias Presidente Vargas, no Paraná, e Abreu e Lima, em Pernambuco.

- De acordo com a denúncia, em troca de favorecimentos, Lula teria recebido R$ 3,7 milhões da OAS em propina.

- R$ 2,4 milhões seriam por meio da aquisição, reforma e decoração de um triplex no Condomínio Solaris, no Guarujá, litoral de São Paulo.

- Outro pagamento teria ocorrido no armazenamento de seus bens pessoais, transportados em 11 contêineres quando deixou a Presidência. A mudança e o depósito foram pagos pela OAS, por R$ 1,3 milhão.

- O ex-presidente foi denunciado com a mulher, Marisa Letícia (cuja punibilidade foi extinta após a morte), o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e cinco executivos da OAS, entre eles o ex-presidente Leo Pinheiro. 

- Lula foi denunciado quatro vezes por lavagem de dinheiro e três vezes por corrupção. 

O depoimento

- O interrogatório está marcado para as 14h desta quarta-feira, na sede da Justiça Federal de Curitiba, no bairro Ahú. 

- Ao chegar ao local, Lula pode escolher se entra pela porta principal do prédio ou pela garagem.

- O depoimento será na sala de audiência do 2º andar, onde pela primeira vez Lula se sentará à frente do juiz Sergio Moro.

- O juiz ocupará posição central na mesa em formato de U. De um lado ficam Lula e seus advogados. Do outro, os procuradores do MPF.

-A imprensa não terá acesso ao prédio, mas a audiência será gravada em áudio e vídeo, cujas gravações serão disponibilizadas ao final.

-Lula será filmado por duas câmeras. Uma ficará focada no ex-presidente. Outra será fixada lateralmente para mostrar a sala de audiência.

- Lula pode permanecer calado diante das perguntas. Além de Moro, podem questioná-lo os procuradores do MPF e a defesa. 

- O ex-presidente será o último réu a ser ouvido por Moro no processo.

- Depois do depoimento, Moro termina de ouvir as testemunhas e abre prazo para as alegações finais.

- Até a semana passada, já haviam sido ouvidas 79 testemunhas — 56 de defesa e 23 de acusação. 

- Entre as testemunhas de acusação estão ex-executivos da Petrobras, como Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Nestor Cerveró, todos delatores da Lava-Jato e condenados.

- Entre as testemunhas de defesa ouvidas estão o ex-presidente da Petrobras Sergio Gabrielli, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o ex-governador Tarso Genro.

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