Documentos exclusivos obtidos pelo G1, protocolados entre maio e julho deste ano nas promotorias de Justiça de diferentes municípios, apontam para a existência de um esquema de fraude em licitações para exploração de serviços de transporte coletivo em pelo menos 19 cidades de sete estados e do Distrito Federal, entre as quais Paranáguá (PR).
Conforme troca de e-mails aos quais o G1 teve acesso e investigações de promotores, a Logitrans, empresa da qual o engenheiro Garrone Reck foi sócio, era contratada pelas prefeituras para fazer estudos de logística e projeto básico de mobilidade, enquanto o filho dele, Sacha Reck, advogava para empresas interessadas.
De acordo com as investigações, com apoio de funcionário da prefeitura, Sacha Reck tinha acesso antecipado ao edital e, inclusive, ajudava na elaboração do documento.
Os documentos permitem deduzir que o esquema existe, pelo menos, desde 2007 e favoreceu, principalmente, empresas de duas famílias – Constantino, que controla a companhia aérea Gol, e Gulin, do Paraná.
O suposto esquema em Paranaguá
>> Troca de e-mails obtidos pelo G1 indica que a licitação para exploração de linha de ônibus, realizada entre 2007 e 2008, é direcionada para a vitória da Viação Rocio, do grupo Gulin.
>> A empresa Logitrans, de Garrone Reck, é contratada pela prefeitura para elaborar o edital de licitação.
>> Conversas por e-mail apontam que o filho de Garrone, Sacha Reck, tem participação ativa na confecção do edital e de outros documentos do certame, ao mesmo tempo em que assessora a Viação Rocio, que acaba vencendo a licitação.
>> A concorrência pública foi lançada em 13 de dezembro de 2007. O contrato entre a Prefeitura de Paranaguá e a Viação Rocio foi assinado em março de 2008 e tem prazo de 15 anos, renováveis por mais 15 anos.
Valores
O contrato de concessão prevê faturamento de R$ 180 milhões para a empresa, em 15 anos de concessão.
O que indicam os e-mails
Durante todo o ano de 2007, Garrone Reck, dono da Logitrans, Emerson Fukushima, advogado da prefeitura, e Sacha Reck, advogado da empresa Viação Rocio, trocam e-mails sobre a realização da licitação para transporte público em Paranaguá.
Sacha Reck elabora o edital de licitação e opina sobre documento de convocação de audiência pública. Ao mesmo tempo, fornece informações aos empresários Zeca Gulin e Donato Gulin, donos da empresa Viação Rocio, que sai vencedora na licitação.
Em e-mail do dia 29 de agosto de 2007, Sacha Reck dá “boas notícias” a Zeca Gulin e Donato Gulin sobre os procedimentos de licitação de ônibus em Paranaguá. Ele informa, por exemplo, que a contratação da Logitrans para elaborar o edital está quase certa.
“Quanto ao projeto básico, já houve uma conversa com a Logitrans e a contratação dessa empresa apenas está aguardando os trâmites internos da Prefeitura.[...] Uma boa notícia de Paranaguá é a de que eles já nos solicitaram o parecer da prorrogação do contrato por 180 dias, o qual já foi elaborado e enviado ao Dr. Émerson. Apenas para o conhecimento de vocês, segue em anexo a minuta do parecer. Acredito que o aditivo da prorrogação estará pronto para assinatura ainda nessa semana. Diante da assinatura desse termo aditivo e da concreta sinalização da Prefeitura sobre a iminência da publicação do edital de licitação, precisamos estar a postos com aquele levantamento de equilíbrio econômico-financeiro dos
últimos 5 anos”, diz Sacha Reck.
Já em e-mail do dia 26 de novembro de 2007, Sacha Reck encaminha a Emerson Fukushima, advogado da prefeitura de Paranaguá, o texto do aviso de licitação, que deveria ter sido elaborado pela prefeitura e não pelo advogado de um grupo interessado no certame. No mesmo e-mail, Sacha Reck dá orientações sobre as datas de publicação do edital e de abertura dos envelopes.
“Prezado Émerson, Segue, em anexo, aviso de licitação, para envio à publicação. Coloquei a data de abertura do dia 18 de janeiro, para evitar atropelos. Mas a publicação tem que ocorrer no máximo até segunda feira; ou seja, o aviso deve ser enviado à imprensa até quarta-feira”, diz Sacha Reck.
Ministério Público
A promotora do Ministério Público do Paraná (MP-PR) Leandra Flores afirmou que a investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) aponta que a organização criminosa atuou em Guarapuava, Foz do Iguaçu e Maringá.
Contudo, está sendo investigado em quais outras cidades essa organização criminosa agiu. Por ora, conforme a promotora, há apenas menções de que também tenha atuado em outros quatro municípios paranaenses, entre os quais Paranaguá.
Versões dos envolvidos
O prefeito de Paranaguá, à época, José Baka Filho, afirmou que a concessão do transporte coletivo da cidade foi licitada por meio de uma concorrência pública nacional, conforme a Lei de Concessões. Segundo o ex-prefeito, a licitação foi conduzida por uma comissão especial, dentro dos prazos e com audiências públicas legais.
José Baka Fiho esclareceu que o advogado Emerson Fukushima foi secretário jurídico de Paranaguá de janeiro de 2005 até março de 2006. “No período da licitação, não advogava para a prefeitura e não era meu advogado”, informou por meio de nota.
Ao G1, o advogado Emerson Fukushima afirmou não saber nada sobre o caso. Ele disse que foi advogado da Prefeitura de Paranaguá entre janeiro de 2005 e março de 2006, sendo que a licitação ocorreu entre 2007 e 2008. Fukushima ainda disse que advogou para José Baka Filho apenas durante as eleições, em 2004.
A empresa Viação Rocio foi procurada pelo G1, mas não se pronunciou sobre o assunto.
Portal G1